Homenagem do Departamento de Tecnologia Arquitetura a Emílio Haddad

Publicado em 5 de julho de 2022
ADI

Emílio Haddad, professor aposentado de nossa Faculdade, nos deixou em 02/07/2022. Em lembrança a memória do professor Emílio, divulgamos abaixo uma homenagem de seus colegas do Departamento de Tecnologia da Arquitetura, seguida de entrevista recente concedida por Emilio ao portal Alumni. 


Elencar as suas qualidades, como o senso de humor, inteligência, leveza e amizade, dentre muitos outros atributos, talvez seja pouco para tudo o que ele representa.
Em entrevista ao Alumni USP, o colega fala sobre a graduação na USP, a ditadura, a questão habitacional, ambiental, suas pesquisas, entre outros assuntos.
O Departamento de Tecnologia da Arquitetura homenageia o colega, dando-o a palavra.

 

Entrevista com Emilio Haddad, ex-aluno e docente aposentado da USP

Enquanto estudante de graduação na época da ditadura, Emilio relata que soube de colegas de USP que foram fichados, exilados, torturados e até mortos. O que o fez buscar justamente o ambiente contestador da Universidade da Califórnia em Berkeley para seu mestrado. Assistiu na cidade ao show da lendária banda hippie Grateful Dead. De volta, cursou o doutorado na FAU-USP já em outro cenário político

Filho de imigrantes, que já moravam no Brasil, Emilio Haddad nasceu no Líbano quando seus pais estavam em visita a familiares. Quando estava para completar um ano, retornaram ao Brasil. Frequentou um tradicional colégio particular, em São Paulo. Na Universidade de São Paulo, graduou-se em Física, como ele mesmo disse, por paixão, e Engenharia Civil na Escola Politécnica, por vocação. Cursou ambas entre 1966 e 1970. Ainda na USP fez o doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo entre 1980 e 1987, com a tese intitulada “Sobre a divisão de cidade em zonas homogêneas: aplicação para o município de São Paulo”. Fez estágio no IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, enquanto estudante de graduação, em análise de sistemas, tema que o levou a estudar, antes da Universidade da Califórnia em Berkeley, na Universidade de Stanford, no mesmo Estado, onde teve mais contato também com economia do setor público. Começou a trabalhar com estatísticas em cima de dados imobiliários e formação de preços de imóveis. Logo ao se formar, ainda no IPT, começou a dar aula na Escola Politécnica, até que, após o mestrado no exterior, foi convidado a ser professor na FAU em técnicas para planejamento urbano.

Ainda no período da graduação, Emilio conta que o ambiente acadêmico da USP sempre foi de contestação à ditadura e de luta pela redemocratização.

“A gente presenciava coisas de repressão muito óbvias. Teve uns colegas que até foram mortos… Outros entraram na guerrilha. E tinha alguma presença do regime aqui dentro. Alguns professores foram vítimas de aposentadoria compulsória, o próprio Fernando Henrique Cardoso, né, que acabou presidente… Na FAU, três professores que tinham vínculo com o Partido Comunista foram aposentados. O CRUSP era um centro de organização do movimento estudantil, as passeatas e tudo mais, saíam daqui.”

Sua ida à Califórnia para fazer pós graduação associou seu interesse em se aperfeiçoar num centro avançado com a atração pela ebulição cultural e política distante da censura e da repressão que ocorriam na vivência universitária por aqui. Lá, ao contrário, ele conta, praticamente tudo era permitido. Enxergava o movimento de contestação californiano em duas vertentes, um lado os hippies, algo mais voltado para a questão cultural, música, influências de filosofias orientais etc. Outra, mais política, de manifestações contra a guerra do Vietnã, por exemplo. Por ter chegado nos Estados Unidos em 1972, um pouco depois do auge do movimento em 1968, pegou o fim da efervescência cultural, mas ainda teve a oportunidade de assistir a um show do Grateful Dead na cidade de Berkeley.

         Sobre o que foi a pesquisa de doutorado na FAU-USP e o que são zonas homogêneas?

De volta ao Brasil para seu doutorado, explica que a partir da pesquisa de “origem e destino” feita em 1977 pela Companhia do Metrô, desenvolveu-se um modelo analítico das relações entre o subsolo e os vários modos de transporte. Este modelo precisava de dados sobre o valor imobiliário e nesta parte então entrou a pesquisa de Emilio. Para a fundamentação teórica, ele aplicou o que tinha aprendido no seu período no exterior em relação a essa divisão em zonas homogêneas que, acredita, é dos problemas fundamentais da geografia analítica, a divisão territorial e o processo taxonômico.

A partir de 1983, no início do contexto da redemocratização, no governo Franco Montoro e prefeitura de Mário Covas, Emilio Haddad assumiu a direção da COHAB-SP, companhia de planejamento de casas populares, até 1986 quando assumiu o cargo de direção da Prefeitura da Cidade Universitária da USP. Enquanto neste cargo, concluiu sua pesquisa de doutorado, com o trabalho da determinação das zonas homogêneas – resultado da integração de zonas menores. Aplicou então os conceitos teóricos oriundos da geografia para dar o enquadramento acadêmico necessário para sua tese.

         O problema habitacional em São Paulo nos anos 1980 e atualmente…

O professor opina que uma diferença significativa é que naquela época havia menos favelas. Na época do Covas, que tinha uma ligação com a Igreja, existiam secretarias voltadas a ações sociais, que davam suporte para mutirões, recursos para compra de materiais de construção para os próprios moradores e essas equipes das favelas erguerem suas moradias. A COHAB-SP até então não participava desse tipo de auxílio. Ela focava na questão da construção de conjuntos habitacionais que eram destinados a uma lista. Já em sua gestão, a COHAB recebeu fundos do BNH para esses grupos já previamente organizados. Ele acredita que medidas que não sejam diretamente na questão da habitação podem ser eficientes para a melhoria de vida dos trabalhadores, por exemplo, o incentivo para a diminuição do preço do material de construção, projetos em que as populações morem mais próximas de seus empregos etc.

Mais recentemente, após a sua aposentadoria, Emilio desenvolveu um projeto para estudar o que mudou no mercado imobiliário em Paraisópolis nos últimos dez anos. Para o docente, a região é um mercado imobiliário como qualquer outro. Não há mais a figura de uma pessoa sem teto que constrói sua própria moradia precária e sim pessoas que investem naquilo, compram um pedaço do terreno, constroem uma casa e depois a alugam. Opina, ainda, em relação aos movimentos populares, que enxerga como legítima a função de pressão social. Muitas dessas pessoas trabalham em mutirões etc. Entretanto, relata, por conta dos movimentos terem motivação política e cada movimento estar ligado a um partido, muitas vezes eles não dialogam entre si. O que acaba, em sua visão, atravancando o processo de negociação.

         Retorno à UC Berkeley para pós-doutorado e aplicação destes conhecimentos na FAU…

Quando em 1989 retornou para pós-doutoramento na Universidade da Califórnia em Berkeley, especializou-se em planejamento urbano. Emilio conta que por ter sido um bom aluno na Universidade, ele foi convidado para dar aula lá sobre problemas habitacionais na América Latina. Estudou o processo californiano de valorização das periferias, com construções de grandes casas, com seus shoppings etc, o que acabou desvalorizando o centro das cidades. E lá houve a criação de empresas para revalorizar regiões centrais, contratando alunos formados nesta linha de pesquisa, mais do que apenas economistas. Quando voltou ao Brasil, propôs a criação dos cursos de pós na FAU de introdução ao mercado e política imobiliárias. Coordenou então o MBA da FUPAM, fundação de apoio à FAU, em desenvolvimento imobiliário. Comenta que ainda costuma encontrar ex-alunos que relatam que se adequaram bem ao mercado de trabalho, tendo estudado este segmento.

Perguntado sobre a grande verticalização da cidade de São Paulo em alguns bairros, o professor demonstrou ser uma consequência meio inevitável, pois acredita que não haja muitas maneiras de expandir a cidade, porque custa caro construir maiores vias de acesso etc, a verticalização acaba sendo uma organização econômica, de maneira que seja bem feita, com prédios próximos a metrô, marginais Pinheiros e Tietê etc. Pensando também na lógica da proximidade entre residência e trabalho. Entretanto, acredita que a estrutura governamental de controle de planejamento é muito fraca. As discussões em relação ao Parque Augusta, por exemplo, foram muito mal conduzidas por parte da prefeitura, e que a proposta inicial das construtoras de fazerem e manterem o parque, ele não considerou ruim. Quanto a uma possível supervalorização dos valores dos imóveis em algumas áreas da cidade, é um fato, porém acha que ocorria mais antigamente, atualmente ela tende a responder ao mercado. Há imóveis vagos na cidade, pois o valor estaria alto, e o mercado imobiliário está ainda em um momento de baixa.

         Questão ambiental…

Avalia que a criação no Estado de São Paulo de um órgão ambiental, a CETESB, foi algo muito positivo. Opina que houve um controle melhor, sem ela seria muito mais predatória a ocupação da cidade. Relembra que participou de reuniões de zoneamento industrial representando o IPT. Elogia a proibição na cidade de certos tipos de indústria como de pólvora e siderúrgica. Para ele, entretanto, em outros assuntos a questão ambiental foi muito mal conduzida, em especial as marginais, a retificação dos rios que causa alagamentos. Citou bons exemplos como um em Seoul, que antes poluídos e cercados por concreto, agora foram revitalizados e foram devolvidas a eles as margens para o devido escoamento da água.

 

Relembra, por fim, que era um grande privilégio estudar na Escola Politécnica em sua época. Havia 360 vagas, menos do que hoje, e sem políticas de inclusão, em geral apenas pessoas com melhores condições de vida as ocupavam. O ensino considerou tão bom que lhe colocou em condições de igualdade diante dos colegas de pós-graduação em Berkeley e Stanford, mesmo os vindos de países com ensino superior de qualidade como por exemplo o Japão ou França, conta. O que atrapalhou foi, de fato, o contexto político da ditadura. O que o levou a querer participar das organizações dos estudantes, vindo a ser presidente do Centro Acadêmico da Engenharia Civil e a dirigir o jornal “Poli Campus”.

Aposentou-se das salas de aula há cinco anos. Entretanto, ainda frequenta a USP, visita exposições de artistas ex-alunos da FAU, e inclusive participa de bancas de pós na Universidade.

Texto e foto: Rodrigo Rosa

Veja o original da entrevista no site Alumni.

window.dataLayer = window.dataLayer || []; function gtag(){dataLayer.push(arguments);} gtag('js', new Date());gtag('config','G-1Y152RWM2K' ,{ 'anonymize_ip': true });