Projeto “demonumenta” discute a colonialidade na arquitetura e nos espaços públicos

Publicado em 1 de abril de 2021
ADI

Foto: Daniel Kuster

Em 2020, o mundo foi palco de um grande movimento de contestação de monumentos, em especial, após a violenta morte de George Floyd, nos Estados Unidos.  Em São Paulo, os casos mais comuns são os relacionados aos monumentos que representam os bandeirantes, que, historicamente, são conhecidos escravizadores, propagadores de doenças e violadores de territórios indígenas.

Ao encontro de questões relacionadas ao patrimônio arquitetônica e espaços de memória, surge o “demonumenta”, projeto coordenado pelos professores. Giselle Beiguelman, Renato Cymbalista, Giorgio di Giorgi, Ana Lucia Duarte Lanna e Joana Mello, ao lado de Bruno Moreschi, pós-doutorando da FAUUSP e da Pró-reitoria de cultura e extensão universitária da USP. Em seu site oficial, o projeto é descrito como um “debate aberto sobre a colonialidade embarcada nas instituições, monumentos, arquiteturas e acervos públicos”. A proposta conta também com a colaboração de outras unidades, instituições e centros de pesquisa, como o CITI – USP, o C4AI – Inova USP, o MIT Open Documentary Lab e o PISA.

Conversamos com a professora Giselle Beiguelman, que nos contou mais sobre o “demonumenta”:

Giselle Beiguelman – acervo pessoal

O caso de George Floyd é citado como catalisador de uma série de protestos críticos a monumentos de violadores de direitos humanos. Na FAU, a ocorrência desses protestos foi o catalisador do projeto “demonumenta”?
GB: O projeto é decorrente de trabalhos que eu e o Professor Renato Cymbalista estamos discutindo há alguns anos em nossas disciplinas conjuntas e em projetos individuais. O contexto dos protestos que se seguiram ao assassinato do George Floyd, por um lado, e a urgência em criar um espaço de reflexão e ação sobre o tema na FAUUSP, que mobilizasse os alunos, levou-me a pensar uma estratégia de extensão on-line.

 

Como a experiência prévia de cada um dos coordenadores contribuiu para a criação do projeto?
GB: Renato Cymbalista e eu temos várias experiências de articulação de projetos gestados no âmbito da sala de aula e estamos, cada um a seu modo, muito envolvidos na reflexão sobre políticas públicas relacionadas ao Patrimônio Histórico. Os coordenadores das CoCs, Joana Mello e Giorgio di Giorgi, além da experiência em projetos transversais, estão à frente da interlocução do projeto demonumenta com as atividades dos cursos de graduação Além deles, docentes como Luciano Migliaccio, Renata Martins, Agnaldo Farias, Clice Mazzili e Jorge Bassani estão envolvidos nos Grupos de Trabalho que começam a operar a partir de abril. Na afinação geral, contamos com a retaguarda da nossa Diretora, a Profa. Ana Lanna, que além das contribuições conceituais, faz a nossa interlocução com a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, co-realizadora do projeto, e a Reitoria. Por fim, Bruno Moreschi, pesquisador do Pós-doutorado na FAUUSP e artista residente do C4AI Inova USP, conjuga sua experiência no campo artístico e de desenvolvimento tecnológico ao projeto demonumenta. O Inova USP é um importante apoiador do projeto, haja vista que temos entre nossas prioridades a aplicação de metodologias de Inteligência Artificial nas nossas análises. Entre nossos colaboradores, figuram ainda o coletivo PISA e o CITI-USP, parceiro nas reflexões sobre processos de tratamento tridimensional das imagens. Em síntese, trata-se de um projeto da FAUUSP que não só é transdisciplinar, mas transinstitucional, que aposta em novos formatos pedagógicos, sincronizados com a pesquisa e a extensão.

Projetos similares estão sendo desenvolvidos em outras partes do mundo?
GB: Eu havia sido procurada pelo Open Documentary Lab do MIT para contribuir com uma discussão sobre Realidade Aumentada e Patrimônio e rapidamente firmamos uma parceria para envolvê-los no nosso projeto. No Inova USP, eu e Bruno Moreschi somos coordenadores de um Grupo de Pesquisa (GAIA – Grupo de Arte e Inteligência Artificial), cujas linhas mestras são muito aderentes ao demonumenta. Renato Cymbalista integra o PISA, coletivo que tem como uma de suas prerrogativas o trabalho em rede na pesquisa feita a partir de articulações com territórios de São Paulo. Há algum tempo Cristobal Cea, da Pontifícia Universidade Católica do Chile, trocamos ideias e participamos conjuntamente de reflexões e práticas que tensionam as relações entre arte e patrimônio. Luciano Migliaccio, por sua vez, aproximou-nos do CITI-USP. Estamos trabalhando também em uma frente de ação possível com o Museu Paulista da USP.

Há várias ações no mundo todo que vêm pensando modos de trabalho em rede que permitam novos formatos de apreensão do patrimônio histórico, tensionando as narrativas oficiais. Entre outras citaria coletivos e grupos de pesquisa da Universidade do Chile, a Monument Lab, dos EUA, e o projeto esloveno Nonument. Mas demonumenta é o único que propõe um modelo pedagógico e visa a construção de uma plataforma pública que possa subsidiar outros projetos, envolvendo diversos perfis de participantes em sua modelagem paritária. Esse aspecto é central no projeto e toma como base as experiências metodológicas (muito bem sucedidas, aliás) do FauForma:Designers, exposições discentes nas quais os alunos são responsáveis desde a expografia à montagem e fazem, com os docentes, o recorte curatorial ao longo do processo. É importante frisar que demonumenta é um projeto coletivo, que desde janeiro reúne semanalmente, em média, 70 (setenta!!!) participantes envolvidos nas suas ações.

Quais resultados o projeto pretende entregar?
GB: O projeto pretende entregar uma plataforma, com textos, modelos 3D de monumentos selecionados, análises feitas com recursos de visão computacional sobre acervo, investigando padrões estéticos e seus desdobramentos políticos e ideológicos. demonumenta tem como eixo recortes contra-narrativas relacionadas a 1922, contemplando a Semana de Arte Moderna e o Centenário da Independência e os seus principais momentos de reverberação (1922, 1954, 1972 e 2022). Não se pretende fazer uma enciclopédia sobre esses temas, nem uma história total e totalizante desses fenômenos. Estamos estabelecendo recortes que possam funcionar com disparadores do que estamos chamando de “constelações reflexivas”, aderindo a uma motivação benjaminiana, de escrever “degrau por degrau, de resíduo em resíduo, ou ainda de fenda em fenda, na parede de uma montanha cheia de fissuras (a história)”, como sintetizou o filósofo Marc Berdet. Pretendemos também, em 2022, organizar uma exposição. Os conteúdos específicos começam a ser desenvolvidos em abril, a partir de cinco Grupos de Trabalho, que envolvem alunos da graduação, da pós-graduação (AU e Design), membros do coletivo PISA e do GAIA Inova USP e docentes da FAUUSP.


Em nosso canal no Youtube, você encontra os vídeos realizados até o momento para o projeto “demonumenta” e mais conteúdos de nossa faculdade.